domingo, 26 de abril de 2009

FESTA DO BEATO RAFAEL ARNÁIZ BARÓN: A heroicidade de um apagamento total – 2ª parte





A heroicidade de um apagamento total – 2ª parte


Por Irmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP

(Continuação)


Uma nova etapa na vida do jovem Rafael

Para o jovem Rafael começava uma nova etapa: deixava para trás as comodidades, o carinho familiar, os passatempos mundanos, as promessas de um brilhante porvir. Sobretudo, renunciava àquilo que a criatura humana possui de mais arraigado: a vontade própria. Doravante esta se acharia inteiramente conformada à vontade divina.

No dia 15 de janeiro de 1934, as portas da Trapa abriam-se para o jovem postulante. Seu coração estava cheio de bons propósitos, que ele resumiu com estas palavras escritas poucos dias antes:

"Quero ser santo, diante de Deus, e não dos homens; uma santidade que se desenvolva no coro, no trabalho, sobretudo, no silêncio; uma santidade conhecida somente de Deus e da qual nem mesmo eu me dê conta, pois, então, já não seria verdadeira santidade".


Essa santidade seria alcançada em meio a indizíveis sofrimentos e provações, na aparente inutilidade, sem em nada manifestar-se exteriormente.

O primeiro período de vida religiosa foi para Rafael um verdadeiro paraíso. Se os jejuns e as mortificações por vezes arrancaram-lhe algumas lágrimas, sua alma sentia-se inundada de consolações. A humildade que demonstrava ao acusar-se de suas faltas no capítulo de culpas e sua atitude estática diante do tabernáculo impressionavam favoravelmente a comunidade, que logo se lhe afeiçoou.


A dura prova da enfermidade

Para Rafael, o rompimento com o mundo já ficara definitivamente para trás. Porém, não eram estes os desígnios divinos. Gozava de grande felicidade espiritual quando, em maio, sentiu os primeiros sintomas da doença que o levaria à morte. O abatimento de suas forças obrigou-o a ser transferido para a enfermaria. Pouco tempo depois, o médico diagnosticava uma diabetes sacarina que progredia de forma alarmante e exigia um tratamento apropriado, que só poderia ser-lhe ministrado fora do Mosteiro.

Começava para ele a subida ao calvário, a aceitação submissa do cálice que lhe era oferecido. Via-se obrigado a voltar para o mundo, ao qual tão generosamente havia renunciado!

Seu confessor, Padre Teófilo Sandoval, narra a cena de sua partida do Mosteiro: "Os suspiros e as lágrimas do angustiado Rafael faziam-me ver que em seu interior se desenrolava uma tremenda crise espiritual que lhe oprimia o coração. Quando deixei o mundo - dizia-me - despedi-me de todos até a eternidade, e pela imprensa, Astúrias inteira soube que a graça havia triunfado em mim, sobre a natureza... Agora volto para lá desfeito, inútil, com a mortalha dentro da mala... O que dirá o mundo, tão propenso a se escandalizar? Eu quero morrer aqui, quisera que esta noite fosse a última de minha vida! Diante dessas expressões, compreendi que Rafael havia penetrado na terrível noite escura do sentido, do coração ."

Rafael voltou para sua casa. O médico que o atendeu disse aos pais de Rafael que seu estado era gravíssimo e que rezassem muito. Mas em algumas semanas verificou-se uma melhora em sua saúde e pôde aos poucos ir retomando a vida normal. Exteriormente aparentava ser o mesmo Rafael de antes, com sua alegria contagiante e sua sensibilidade artística. Uma profunda mudança, porém, efetuara-se em sua alma, modelando-a por inteiro. Experimentava outra alegria, aquela que só às almas amantes da cruz é dado conhecer.


Assim escreveu ele a um de seus superiores, algum tempo depois de sua saída do Mosteiro:

"Quando fui para a Trapa, entreguei-Lhe, a Deus, tudo quanto tinha e tudo quanto possuía: minha alma e meu corpo. Minha entrega foi absoluta e total. Justo é, pois, que Deus agora faça de mim o que Lhe pareça e o que Lhe agrade, sem queixa alguma de minha parte, movimento algum de rebeldia. Deus não somente aceitou meu sacrifício quando deixei o mundo, mas pediu-me maior sacrifício ainda, o de voltar a ele... Até quando? Deus tem a palavra. Ele dá a saúde, Ele a tira".


Essas palavras refletem bem o espírito de obediência com o qual acolhia a prova enviada pela Providência. Um ano e meio haveria de durar aquele exílio, durante o qual seu amor a Deus não fez senão crescer e sublimar-se. Ao ingressar na Trapa, despojara-se de tudo, mas conservava ainda o desejo de chegar a ser um bom trapista, de se tornar sacerdote; buscava-se a si mesmo, como mais tarde afirmaria. Deus, como Pai boníssimo, educava-o de forma a purificar sua alma daquelas asperezas tão legítimas, mas ainda humanas.

Por fim, Rafael implorou ser readmitido na Trapa na qualidade de oblato, uma vez que seu estado de saúde não lhe permitia adaptar-se ao regime da vida monacal.

Em janeiro de 1936, entrou pela segunda vez. Lá o esperavam novas tribulações: isolado na enfermaria, sujeito a um regime alimentício que provocava críticas dos companheiros, sofrendo algumas incompreensões, Rafael sentia-se inteiramente só. Dada sua debilidade física, proibiram-lhe até de participar do cântico do Ofício na Igreja. A esses sofrimentos juntavam-se terríveis tentações que lhe sugeriam a idéia de ter errado de vocação. Ele tudo enfrentava com vigor de espírito e um inalterável sorriso nos lábios.

Ainda por duas vezes a enfermidade o tiraria de seu amado Mosteiro, mas novamente a ele voltaria, convencido de ser aquele o lugar que lhe designara a vontade divina, apesar dos obstáculos que esta mesma parecia lhe opor.


Os últimos meses de vida

Os derradeiros meses da vida de Rafael foram os últimos passos até o cimo do calvário que se propusera galgar, como o refletem os escritos dessa época, embebidos de intensa espiritualidade e amor à perfeição.

Sua alma atingia aquela indiferença recomendada por Santo Inácio, pela qual o homem nada deseja para si e deixa-se levar pelo beneplácito divino. Uma única paixão dominava- lhe o coração: Deus!

"Tudo o que faço, é por Deus. As alegrias, Ele as manda; as lágrimas, Ele as dá; o alimento, tomo-o por Ele; e quando durmo, faço-o por Ele. Minha regra é Sua Vontade, e Seu Desejo é minha lei".



Entretanto, a enfermidade progredia a passos rápidos. Pela doença, Rafael padecia fome e, sobretudo, sede... Uma sede insaciável e devoradora que o acompanharia até os últimos instantes. Ele, porém, nada deixava transparecer no exterior, dando a todos a impressão de encontrar-se melhor.

No fim do mês de abril já não pôde mais ocultar seu alarmante estado. Aos delírios da febre sucediam-se instantes de lucidez, durante os quais manifestava-se sereno e resignado. Recebeu a unção dos enfermos no dia 25, mas Deus pediu-lhe o sacrifício de ver-se privado do viático. Às palavras alentadoras que lhe dirigiam os Monges, procurando infundir-lhe a esperança da cura, Rafael respondia estar convencido de que logo partiria para o Céu.

Faleceu na manhã do dia 26 de abril de 1938, em consequência de um coma diabético. Sua fisionomia plácida e seu sorriso refletiam a glória de que sua alma já gozava na eterna bem-aventurança.


Uma alma enamorada de Cristo

Sob o ponto de vista humano, sua curta vida parece ter sido um monumental fracasso: não completou a carreira, não se projetou na sociedade, não realizou seus sonhos de sacerdócio, nem mesmo teve o consolo de observar a regra trapista e emitir os votos.

Não foi assim aos olhos de Deus, que não julga pelas aparências, mas sim segundo o coração. Rafael praticou uma forma de santidade peculiar: sua alma enamorada de Deus atingiu a heroicidade das virtudes em meio ao silêncio, à dor e ao apagamento mais completos.

Sirva-nos seu exemplo de humildade e de caridade ardente para, também nós, aceitarmos com alegria aquilo que a Divina Vontade quiser nos mandar.

"Dei-me conta de minha vocação. Não sou religioso... não sou leigo..., nada sou... Bendito seja Deus, não sou nada mais que uma alma enamorada de Cristo. Vida de amor, eis minha Regra... meu voto... Eis a única razão de viver".




Por Irmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP



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